Caminhões, ônibus e carros formam uma procissão involuntária entre o silêncio do rio e o murmúrio das vozes que esperam. Nesta semana, o “bloqueio” veio do Acará, afetando cidades como Barcarena e pelo menos duas macrorregiões – e com ele, o retrato de um impasse que já não cabe apenas em manchetes.
Segundo os organizadores, o ato reúne moradores de diferentes comunidades da região, que protestam contra uma decisão judicial qua autorizou que a Semas dê prosseguimento ao processo de licenciamento ambiental da Central de Tratamento de Resíduos Sólidos (CTR) da empresa Ciclus Amazônia S.A., no município do Acará— planejado para atender à coleta de resíduos da Grande Belém. Com a interdição, motoristas enfrentaram horas de lentidão e longas filas de veículos nos dois sentidos da via.
O protesto é sinal de que há algo maior em jogo: a difícil arte de equilibrar progresso e percepção, técnica e emoção. Desde que o tema do Aterro Sanitário de Barcarena entrou no debate público, a cidade se viu dividida entre palavras que soam opostas – “aterro sanitário” e “lixão” – mas que, na verdade, pertencem à mesma conversa nos grupos de aplicativos de mensagens, sobre responsabilidade ambiental.
Enquanto as redes sociais inflamam o debate, o que poucos lembram é que o aterro sanitário não é sinônimo de problema, mas parte de uma solução moderna e controlada para algo inevitável: o lixo que todos nós produzimos, todos os dias. Ignorá-lo não o faz desaparecer — apenas o empurra para debaixo de uma paisagem que fingimos não ver.
É por isso que autoridades ambientais e gestores municipais carregam hoje uma responsabilidade imensa: a de transformar um tema técnico em algo compreensível e confiável. Explicar o que é um sistema de drenagem de chorume, o que significa uma célula impermeabilizada, como funcionam as licenças e monitoramentos. Porque sem comunicação acessível, até o melhor projeto técnico se perde nos ruídos das desconfianças e desinformações.
Mas também é verdade que ouvir a população não é um gesto de gentileza – é parte essencial do processo. É imprescindível que nenhum aterro deva nascer sem transparência, e nenhum cidadão deve ser deixado sem respostas. É nessa escuta que se constrói o equilíbrio entre desenvolvimento e pertencimento.
O Portal Barcarena tem acompanhado esse tema com o cuidado que ele exige: ouvindo órgãos ambientais, consultando documentos oficiais e buscando traduzir a linguagem técnica para quem só quer entender o que vai acontecer com o seu município. Porque o jornalismo local é, em muitos sentidos, a linha de costura entre o que o técnico projeta e o que o morador percebe.
Ao ver o congestionamento na Alça Viária – essa artéria que liga Belém, o Baixo Tocantins e o Sul e o Nordeste do Pará -, penso que o que realmente está bloqueado não é a estrada, mas o fluxo de confiança entre informação e sociedade. Se conseguirmos reconstruí-lo, a ponte voltará a cumprir seu papel.
E quando o sol enfim subir sobre o rio, que ele ilumine também o entendimento coletivo: de que cuidar do lixo é cuidar da vida – e que entre o “lixão” do passado e o “aterro” do futuro, existe um caminho possível, pavimentado por transparência, técnica e compromisso público. Que amanhã possamos acordar um pouco mais leve e “livres”.



















