O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com pedido na Justiça Federal para suspender a Licença de Instalação (LI) concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à obra de derrocamento de rochas no rio Tocantins, na região conhecida como Pedral do Lourenço, no sudeste do Pará.
As intervenções integram o projeto da hidrovia Araguaia-Tocantins, que tem como objetivo ampliar a navegabilidade do rio em períodos de estiagem, reduzindo custos logísticos e fortalecendo a infraestrutura de transporte na região. A obra é de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
No entanto, segundo o MPF, a licença foi emitida em maio deste ano sem o cumprimento de obrigações estabelecidas anteriormente na fase da Licença Prévia (LP) e sem a realização das Consultas Prévias, Livres e Informadas (CPLIs) às comunidades tradicionais, como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
Para o MPF, a concessão da licença sem a finalização de estudos ambientais e sem consulta adequada aos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos pode agravar falhas no processo de licenciamento. O órgão argumenta que a licença atual reconhece que ainda há medidas pendentes por parte do Dnit, o que, segundo o Ministério Público, compromete a prevenção de possíveis danos socioambientais.
Entre os pontos levantados na petição, está a ausência de estudos completos sobre o impacto da obra na fauna aquática e na atividade pesqueira da região, além do risco a espécies ameaçadas, como o boto-do-Araguaia e a tartaruga-da-Amazônia. Para o MPF, a emissão da LI nestas condições “subverte a lógica do licenciamento”, ao permitir o início da obra antes da conclusão de análises consideradas essenciais.
Consulta e impacto em comunidades tradicionais
Um dos principais questionamentos do MPF diz respeito à ausência das CPLIs às comunidades que vivem na área de influência direta da obra. O órgão afirma que o Dnit reconheceu a existência de pelo menos dez comunidades ribeirinhas na região, entre elas a Vila Santa Terezinha do Tauiri, citada em documentos como ponto de apoio logístico.
Em manifestação à Justiça, o procurador da República Rafael Martins da Silva destacou que “a omissão do Estado em realizar a consulta prévia significa submeter as comunidades a um projeto que impactará suas vidas e territórios sem a devida participação”.
Projeto estratégico enfrenta entraves
Apesar das críticas, o projeto da hidrovia Araguaia-Tocantins é considerado estratégico por setores ligados ao agronegócio, infraestrutura e à logística nacional. A obra promete facilitar o escoamento da produção agrícola pelo Porto de Vila do Conde, em Barcarena, e reduzir a dependência de rodovias e portos do Sudeste.

A controvérsia, no entanto, gira em torno da forma como o licenciamento tem sido conduzido. O MPF também questiona o que chama de “dualidade conceitual” do projeto, ao ser apresentado ora como uma hidrovia de grande porte, ora como um conjunto de intervenções pontuais. Segundo o órgão, essa abordagem pode ter implicações no cálculo de compensações e nos estudos acumulados de impacto.
O Ibama e o Dnit ainda não se manifestaram publicamente sobre o pedido feito pelo MPF. A Justiça Federal deve analisar a solicitação nas próximas semanas.