Neste 7 de julho, celebra-se o Dia Mundial do Chocolate. Enquanto muitos saboreiam essa delícia ao redor do mundo, em Barcarena, na Região Metropolitana de Belém, o produto feito a partir do cacau amazônico ganha um sabor ainda mais especial graças ao trabalho de mulheres empreendedoras que transformam a matéria-prima local em produtos de alto valor agregado.
O Pará é o maior produtor de cacau do Brasil, com cerca de 32 mil produtores espalhados por mais de 229 mil hectares de plantações, segundo dados da Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará). Essa produção gera impactos econômicos para o estado e representa uma oportunidade para promoção de práticas agrícolas sustentáveis e de conservação da biodiversidade amazônica.
Em Barcarena, o uso do cacau para a produção de chocolate vem ganhando força e se transformando em negócios que são verdadeiros exemplos de sucesso quando o assunto é bioeconomia e sustentabilidade. Mulheres à frente de suas próprias marcas estão agregando valor ao fruto amazônico e criando oportunidades em suas comunidades. Entre as histórias que se destacam estão as de Elka Clara, Elda Oliveira Mota, Abilene Brito e Edicleia Gutiérrez — empreendedoras que vêm colocando o cacau de várzea no mapa nacional e até mesmo internacional.

Fundada em junho de 2023 por Elka Clara, agricultora barcarenense, a Elka Cacau nasceu com a missão de valorizar o cacau da Amazônia e promover o desenvolvimento sustentável na região. Adotando o método “tree to bar”, a empresa garante controle total desde o plantio até o produto final. Em 2025, a empresa formalizou-se como MEI (Microempreendedor Individual), consolidando sua presença no mercado de chocolates artesanais.
O processo de produção começa com a colheita cuidadosa do cacau selvagem, proveniente de áreas de várzea. As sementes passam por uma fermentação artesanal, seguida de secagem ao sol, um método natural e sustentável. Finalmente, as sementes são moídas para formar a pasta de cacau utilizada na fabricação do chocolate.
Elka Clara destaca que a marca busca atingir consumidores que valorizam produtos naturais, orgânicos e que se preocupam com a saúde. “Nosso público reconhece e valoriza o diferencial do chocolate artesanal feito com cacau amazônico, especialmente por sua autenticidade e sabor único”, afirma.

A história dos Chocolates Vovó Bel é uma homenagem à tradição familiar. Fundada por Abilene Brito, na comunidade Canaã, a marca começou com uma receita de chocolate quente transmitida de geração em geração. “Minha mãe aprendeu com minha avó, e eu continuei a tradição”, conta Abilene ao Portal Barcarena. Em 2021, ela participou do projeto Tipitix, desenvolvendo barras de chocolate ao leite e com 60% de cacau.
Os produtos são bem recebidos em feiras e eventos, especialmente nos festivais de cacau e chocolate. “Todo o cacau usado em nossa produção é proveniente das várzeas do rio Arauaia”, explica Abilene. A bioeconomia está integrada ao manejo do cacau, com cuidados para garantir frutos de qualidade e preservação ambiental. “Esse cuidado reflete em nossa qualidade de vida e na renda familiar”, acrescenta.

A Arauaia Cacau de Origem teve seu início após uma visita de estudantes de nutrição à comunidade de Elda Oliveira Mota. “Eles estudaram o pão de cacau da minha avó e se interessaram por suas propriedades”, relembra Elda. Desde então, ela começou a participar de feiras e festivais, onde suas receitas de cacau ganharam reconhecimento.
O cacau utilizado é nativo das comunidades ribeirinhas do rio Arauaia. “Nós cuidamos do processo desde a colheita até a fabricação do chocolate”, explica. A comercialização é predominantemente em feiras e festivais, mas a marca está estabelecendo uma loja física e aceita encomendas através das redes sociais.

A história da Ancestral Chocolate de Origem é guiada pelo compromisso com a floresta e a sustentabilidade. Criada por Edicleia Gutiérrez, produtora rural e presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Barcarena, a marca nasceu da necessidade de empreender com propósito. “Meu cacau é selvagem, de várzea, e eu vi nisso uma chance de verticalizar minha produção e fazer chocolate fino com identidade amazônica”, explica.
Todo o cacau é colhido na própria propriedade ou adquirido de mestres em fermentação, como o produtor Xibá, da Comunidade Bom Jardim. Após a fermentação em coxos de madeira por até sete dias e a secagem ao sol, o cacau passa por moagem em pedra, num processo artesanal que pode durar mais de 24 horas. “Cada etapa respeita o tempo e a natureza do nosso cacau”, afirma.
Seu público-alvo são apreciadores de chocolate fino e turistas interessados na cultura amazônica. “Quando eu vendo meu chocolate, estou vendendo minha origem, minha história”, diz Edicleia. Apesar do reconhecimento crescente, ela acredita que ainda há muito a se fazer para que o consumidor compreenda o valor histórico, ambiental e cultural de um chocolate feito na floresta.
A bioeconomia como caminho para o desenvolvimento
A produção de cacau na Amazônia vai além da economia. A bioeconomia, que integra práticas sustentáveis e valorização da biodiversidade, é uma realidade para esses empreendedores. “Para quem vive e empreende na Amazônia, a bioeconomia é muito importante”, afirma Elda. “Ela significa valorização da cultura e do conhecimento local, uso sustentável de recursos naturais e geração de renda.”
Para Edicleia, a bioeconomia é um caminho que preserva a floresta em pé e gera renda de forma justa. “Nosso cultivo é sustentável e feito por famílias. Isso mantém a biodiversidade viva e fortalece nossas comunidades”, afirma.

Desafios e Sonhos
Apesar dos avanços, as empreendedoras enfrentam desafios como logística, embalagem, divulgação e rotulagem. O apoio de instituições como Emater, Secretaria Municipal de Agricultura, Senar, FAEPA e ADEPARÁ tem sido essencial para superar essas barreiras. A Semagri lançou em 2021 o Projeto Rota do Cacau´com o objetivo de potencializar a cadeia produtiva cacaueira e verticalizar a produção do Chocolate Artesanal. Foram entregues 125 mil mudas de Cacau para 100 produtores.
“Já realizamos a I Feira de Chocolate de Barcarena e seguimos apoiando a participação em feiras nacionais e internacionais”, completa o Secretário de Agricultura, Edson Cardoso.
As parcerias fortalecem as ações de mercado para o Chocolate do Cacau Nativo das Ilhas de Barcarena “A Emater tem ajudado muito na logística e divulgação”, diz Elda.
Edicleia destaca que a comercialização ainda é uma das principais barreiras para quem trabalha com chocolate fino na região. Ela recebe apoio do SENAR (Sindicato dos Produtores Rurais de Barcarena), que viabiliza capacitações técnicas e participações em feiras nacionais, como Belém, Altamira, Brasília e São Paulo.
Além de produtora rural, Edicleia lidera o projeto Mulheres de Fibra, que transforma fibra de bananeira em artesanato sustentável, e se prepara para lançar um novo produto: banana desidratada com chocolate 70%, que une duas de suas paixões. Em agosto de 2025, ela promove, na Ilha Arapiranga, cursos de fermentação e chocomaker voltados à formação de novos produtores.
Sonhos também movem essas histórias: Elka Clara almeja expandir o reconhecimento do cacau de várzea e da cultura local. “Acreditamos que, com mais educação e divulgação, esse reconhecimento possa se fortalecer ainda mais”, afirma. Abilene Brito sonha em ter sua própria fábrica e expandir a linha de produtos. “Sonhar faz parte da existência humana”, conclui.
Já Elda Mota, sonha em instalar sua fábrica e loja física na própria comunidade, às margens do rio Arauaia, divulgar a produção local e seguir aprimorando a qualidade dos chocolates. “Quero um lugar para receber quem vem em busca do nosso chocolate e do que ele representa”, afirma.